Cineasta Wong Kar-wai abusa de recursos estéticos para abordar o mistério do amor

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Mais que contar uma história, o cinesta Wong Kar-wai proporciona uma experiência estética em cada um dos seus filmes. Ao longo da carreira, apurou cada vez mais sua capacidade de transitar por elementos que agregam sensibilidade às histórias de amor. Luzes coloridas, espaços gráficos, trilha sonora refinada, movimentação de câmera e cenas em slow motion transbordam a natureza dos sentimentos. Essa transição é perceptível se compararmos filmes como “Amores Expressos” (1994), “Amor à Flor da Pele” (2000) e “2046” (2004).

Suas obras, extremamente líricas, tratam da essência do amor e da natureza dos relacionamentos. O cineasta lança um olhar idiossincrático sobre os personagens, explorando suas inseguranças, paixões, angústias e vontades.

Dentro da massa urbana, indivíduos se revelam solitários e isolados em uma procura instintiva pelo afeto, aparentemente nunca saciada. A “falta” está sempre presente no cinema de Wong Kar-wai, com amores incertos, muitas vezes não consumados, como se a beleza pudesse ser preservada pela distância e o amor se manifestasse de maneira mais plena quando isolado. Como menciona O Banquete, de Platão: “amor é pobreza, não perfeição, e só o recurso pode saná-la provisoriamente. Quanto mais falta há, mais pleno ele é”.

A relação amorosa não se concretiza com facilidade. Entre os obstáculos que se interpõem entre ela está o tempo, impossível de conter. O cineasta capta a beleza de certos instantes em que o tempo parece parar, o mundo está sempre em movimento e os personagens transitam por ele assim como as lembranças passam pela nossa memória.

O tempo, na obra do artista, mostra pessoas próximas fisicamente, mas longe simultaneamente. As cenas de Kar-wai possuem uma presença constante de relógios e calendários, revelando a importância desses elementos na narrativa e no simbolismo em seus filmes. O diretor é como um psicólogo do tempo: ele faz com que objetos se movam de forma rítmica, o que provoca uma percepção subjetiva do significado do tempo na vida dos personagens.

Em crítica cinematográfica no fórum Senses of Cinema, Elizabeth Wright aborda o “missed moment”, o momento perdido, aspecto recorrente na obra de Kar-wai, que revela personagens em constante procura para compensar essa falta. Eles vivenciam encontros arbitrários e, após cruzarem o caminho de alguém, têm suas vidas modificadas por completo.

Acima de concentrar-se em histórias ou finais bem desenhados, o diretor transborda emoção em seus filmes. A utilização de uma estética refinada, repleta de cores, fotografia granulada e ausência de falas é uma busca do diretor por expressar sentimentos a partir de uma experiência visual. Cenas poéticas extravasam sensibilidade, enredos simples transmitem o não-palpável, o mistério do amor. Mesmo quando não há cenas românticas concretas, a sensualidade está sempre presente nos pequenos detalhes.

A poesia amorosa revela-se na quebra da rotina, seja ao se apaixonar ou desapaixonar. Nas palavras do próprio diretor em entrevista ao jornalista Graham Fuller, “então eles se vêem em trânsito e no fim tomam uma nova direção”.